A ocupação com cerca de 20 pessoas é marcada por luta, resistência e feminismo
Reportagem: Evelyn Lucena, Gionara Machado e Tyane Leal
Edição: Michelle Raphaelli

Um passo de cada vez. É assim que mulheres da Ocupação Mirabal, no bairro Sertório, na zona norte de Porto Alegre, vivem seus dias após sofrerem algum tipo de violência doméstica. O abrigo com cerca de 20 pessoas, entre mulheres e crianças, funciona não só para acolher e abrigar, serve também como espaço de fortalecimento para todas elas.
Na casa, cartazes com frases feministas e depoimentos de quem ali vive ou passou um tempo chamam a atenção. Os textos motivadores incentivam as mulheres para não se calarem diante de qualquer tipo de violência. O ambiente possui dois andares, espaço suficiente para as abrigadas e voluntárias. No primeiro andar, a sala de recepção é destacada pela escada em espiral, colorida e revestida com colchões e panos – segurança improvisada para as crianças não se machucarem em caso de quedas. No segundo piso, o abrigo tem cinco quartos, um banheiro e uma sala de descanso, com uma televisão e dois sofás.
A mudança para o novo local foi resultado da desocupação do antigo prédio na rua Duque de Caxias, no Centro da capital, tendo como referência as irmãs Mirabal – comunistas assassinadas que lutaram contra a Ditadura. Mirabal é o nome escolhido como símbolo mundial da luta da mulher. Todas as quatro ocupações – regional e nacional – levam o nome de alguma mulher que fez história reivindicando seus direitos. O movimento luta contra o machismo e opressão. Com apoio de voluntárias, psicólogas e nutricionistas, as apoiadoras da casa vendem quitutes e divulgam oficinas e aulas, e isso serve como fonte de renda.
Além destas atividades, as mulheres também estão reformando os cômodos. No dia em que a reportagem foi ao local, a cozinha estava em obras. Conversamos com a coordenadora da casa, Natanielle Almada. Ela nos contou que o movimento tem uma página no Facebook e que pessoas interessadas em ajudar podem contribuir para auxiliar a reforma.

Muito além de um teto

O espaço é acolhedor e fortalecedor, segundo Patrícia (nome fictício para preservar a identidade), que vive na casa há cinco meses com seu filho de seis anos. Ela sofreu agressão psicológica por parte do seu ex-marido.
Após essa fase turbulenta, Patrícia pretende alugar uma casa e recomeçar sua vida.
“Meu ex-marido era usuário de drogas, isso gerava brigas por ciúmes. Discutimos em umas dessas crises e fui expulsa de casa. Saí com meu filho procurando ajuda” – contou ela. De acordo com a delegada Tatiana Bastos, titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), em entrevista ao site HuffPost Brasil, apenas 10% dos crimes de violência doméstica são denunciados no Brasil: nestes casos, 87% do agressores são o marido ou companheiro.
Segundo a coordenadora da casa Natanielle, o tempo de cada abrigada é transitório – há quem fique meses, semanas ou dias. Muitas mulheres fogem de seus companheiros apenas com a roupa do corpo e seus filhos. No local encontram muito mais que uma cama para dormir. Segundo elas, ali se reerguem, aprendem e ganham amor.
Para a psicóloga Micheline Borges a Violência contra mulher, acontece normalmente de forma velada dentro de casa, muitas vezes, parentes próximos desconhecem o que acontece.
“A violência doméstica funciona de forma circular. Primeira fase do ciclo é o aumento da tensão. Período de injúrias e ameaças tecidas pelo agressor, criando uma sensação de perigo eminente dentro do cotidiano da mulher. A segunda fase, o agressor maltrata física e ou psicologicamente a vítima, estes maus-tratos tendem a escalar na sua frequência e intensidade. E a terceira fase, após os episódios de violência a tendência é o agressor envolver a vítima com demonstrações de carinho e atenção, desculpando-se pelas agressões e prometendo mudar – afirmando que nunca mais voltará a exercer violência” – explica Micheline.
De acordo com a psicóloga, esse é um ciclo complexo, que envolve dependência emocional, financeira, de medo e ameaças a família da vítima. Inúmeras vezes essa mulher está vivendo uma repetição de comportamentos da sua infância. “É dever do estado e responsabilidade da sociedade como um todo a proteção as vítimas de toda e qualquer tipo de violência. Garantindo meios de denúncia, formas de amparo e abrigo, direito a recomeço e inserção produtiva e profissionalizante”, concluiu Micheline.
A reabilitação encontrada no novo lar, Ocupação Mirabal, é feita em conjunto com psicólogos voluntários e profissionais de diversas áreas que se mobilizam para auxiliar. As mulheres têm o livre arbítrio para se reestabelecer na sociedade ou ficar na casa, podendo sair para trabalhar, estudar e voltar.
Como buscar ajuda
Para denunciar casos de agressão disque 0800-541-0803 ou 180, que é válido para todos os estados.
Também é possível ir até um núcleo de delegacia para mulheres. Em Porto Alegre, há o Centro de atendimento à mulher na rua Travessa Tuyuty, 10 – Loja 4, esquina com rua André da Rocha, no Centro.
Veja o endereço de outros locais de atendimento no Rio Grande do Sul neste link.